É meu disco favorito do Chico. 1978, a ditadura começa a dar mostras de afrouxamento. O autor mesmo refere-se ao "disco da Samambaia" como "uma obra que respira". Depois de tanto sufoco para lidar com a censura, o prenúncio de novos tempos mostra-se animador e ao mesmo tempo desafiante.
"Feijoada Completa", inocente, é uma excelente maneira de se abrir um disco: Samba, comida, reunião de amigos. Se você estiver faminto, poderá até fazer uma loucura e partir pra uma Feijoada imediatamente. Incluindo laranja, seja da Bahia ou da Seleta. :)))
"Cálice" e "Tanto mar" foram concebidas antes de 78. São do início da década de 70, quando ele sofria marcação cerrada dos censores. A primeira é fruto de parceria com Gilberto Gil. A segunda, belo arranjo com instrumental português, falava da Revolução dos Cravos, de 1974, primeira iniciativa de tirar Portugal de um atraso crônico, depondo Marcelo Caetano, débil sucessor de Salazar, o ditador. É uma espécie de continuação de "Fado Tropical", onde Chico pregava "Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal. Ainda vai tornar-se um imenso Portugal". "Fado" causou revolta entre os conservadores dos dois lados do Atlântico.
"Trocando em Miúdos" e "Pedaço de Mim" são pesadas, tristes. Falam de separação, desilusão amorosa e algo mais. Em "Pedaço", a emergente e melancólica voz de Zizi Possi sobrecarrega o dramatismo do sentimento de perda.
A frase: "Que a saudade é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto, do filho que já morreu" é de uma tristeza infinita, aterrorizante.
"Homenagem ao Malandro" é outra obra-prima. A sempre citada "Lapa de outrora" volta com força total. Mas, se você preferir, pode considerar que os malandros mudaram de cidade.. Malandro "regular, profissional" e até candidato "a malandro Federal"... Brasília, não ?
"Até o fim" é muito bem-humorada enquanto a citação a Cuba está em "Pequeña Serenata Diurna". Chico sempre lembra de um carimbo que havia nos passaportes emitidos naqueles tempos da ditadura: "Válido para todo o mundo, menos Cuba". "Aí é que dava vontade de ir pra lá mesmo, né", provoca.
Em "Pivete", um retrato do menor abandonado que lida com as dificuldades cotidianas, mas não deixa de se divertir. Na letra surgem até Garrincha, Pelé e Emersão (o Fittipaldi). No disco "Paratodos", de 1993, a letra muda para "Airtão" (o Senna).
Em "O meu amor", a interpretação da esposa Marieta Severo e de Elba Ramalho não me agrada. Ele mesmo canta esta música no disco AoVivo duplo de 1999. Ficou bem melhor. Aliás, são famosas as músicas em que Chico canta como se fosse uma mulher. Isso cabe num outro post.
Pra terminar este magnífico disco, um samba muito bacana, que também repousava engavetado desde 1970, quando a censura o vetou. "Apesar de você" é uma canção de vingança política (por isso que sofreu censura), mas na superfície é uma simples canção onde se pragueja contra um ex-amor. Essa figura da dupla interpretação é frequente na MPB setentista. Chico deixa a para o seu ouvinte a decisão de interpretá-la como quiser.
Fichinha /CD:
CHICO BUARQUE, 1978
Comprei: Não lembro.
Lançamento LP: 1978.
Minha Avaliação: Nota 10.
domingo, 1 de junho de 2008
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